sexta-feira, 27 de abril de 2012

A decorrência da verdade


Eu cursava o ensino médio, a professora de língua portuguesa havia solicitado uma resenha crítica sobre o filme “A invenção da mentira”. Mas na verdade, eu não consegui assistir o filme, pensava numa desculpa esfarrapada pra dar a professora, ligo a televisão e o resultado é esse texto e uma nota máxima. Confira: 


A decorrência da verdade


    
        O combinado estava feito: texto sobre o filme “A invenção da mentira”. Após alguns dias, já era noite da véspera de cumprimento do acordo arranjado. Ana, por sua vez, sentada no sofá a articular uma ideia, perdera a paciência, ligou a televisão e mantinha o controle remoto sempre em uma das mãos, mudava de canal. Em meio a tantas trocas, um brasileirinho a atraiu muito e Ana não mudou de canal.
     Todo aquele contraste social e aquela arte imitando a realidade eram típicas identificações de um filme do Brasil. Mas aquele filme possuía um teor diferenciado, um conteúdo tão real e chocante que prendia Ana ao sofá.
       A protagonista do longa metragem, Lúcia, preferia fechar os olhos diante do medo e, ao decorrer dos fatos da história, foi sendo corrompida, tornou-se produto do meio. Ana continuava sentada, os olhos estavam vidrados e sua mente corria em alta velocidade. Violência: esse era o tema geral apresentado pelo filme. Ana achava uma atitude muito medíocre refletir apenas sobre os eixos que englobava o tema central do filme e achou o máximo o desempenho da atriz Andréia Beltrão (que fazia o papel da protagonista).
        À primeira vista, a película falava das situações de poder que estavam envolvidas no sistema prisional brasileiro. Mas Ana observava, além disso, ela via o questionamento do limite entre o bem e o mal exposto em Lúcia ao fazer de um tudo para libertar seu filho que cometera um homicídio e acabara preso. A personagem de Andréia Beltrão envolvera-se inocentemente, com uma organização de bandidos, o PCC.  Ana achava que o longa polemizava ainda mais a eterna discussão do “partidarismo bandido”.
     Apesar de toda a forte contextualização da realidade brasileira, Ana avistava amor em tudo. Amor de Lúcia pelo filho e da envolvente paixão que ela teve com o poderoso líder do PCC. Ana estava envolvida com o filme.
        O filme aproxima-se de seu término, pensa Ana. E ela nem sequer sabe o nome do drama que assistia. Entre um comercial e outro, Ana, procura na internet o nome do filme. “Salve Geral – O Dia Em Que São Paulo Parou” era assim denominado a película que Ana tanto se impressionara. 
        Já era tarde da noite. Fim de filme. Ana não havia feito o combinado. E quanto a produção sobre “A invenção da mentira”? Ana preferiu contar a verdade.

domingo, 28 de agosto de 2011

Um único devaneio


         - Trim trim trim!
        Esse é o sonido chato de meu despertador, são seis da manhã e abrir os olhos está sendo uma árdua tarefa, mas o sol não pára de irradiar sobre meu corpo, que preguiçosamente se recusa a acordar. Só por um dia eu quero ser um vegetal, quero deleita-me no vazio e viver do ócio, quero ver o infinito e não ser nada. Eu não quero viver, não por hoje. 
    Hoje eu acordei decidido a não tentar interpretar o mundo, acordei querendo saber de mim e esquecer os outros. Mas como manipular essa minha sádica obsessão por gente? Gosto de risos, gosto de abraços, gosto de gestos, gosto das falas, gosto de opiniões. Preocupo-me em apenas esquecer, e quando se tentar não lembrar é a mesma coisa de recordar-se a toda hora.
     Desengonçadamente surge um impulso às minhas vontades. Sinto o cheiro dela. Não sei exatamente a que distância, se está perto ou longe, mas tenho certeza, esse olor que se exala desordenadamente pertence unicamente a ela. Levanto-me, gradativamente, dedo por dedo, pé por pé.
     Defronte ao espelho, não consigo me encarar. Ainda moço, boa aparência, mas essa moldura não pertence a mim. Sinto-me preso em minha própria masmorra, aprisionado por minhas certezas, cai no buraco negro de meus desejos. 
    Pressinto que ela se aproxima. Como eu a conheço bem! Havia decodificado até suas silenciosas pegadas. E ela vem, vem cantarolando minha música favorita, vem toda pra mim. É meiga, suave, delicada, astuta e me ama.
     O que me dói é saber que ela me ama, porque hoje, eu descobrir que não a amo mais, quero esquecer essa idéia, quero voltar a amá-la novamente, quero fazer de nós um só, quero não mais ser só eu e sim nós.  Vou interpretar o nosso mundo, voltar a me apaixonar.
   Ela entra, eu uso de todos os adereços para disfarçar minha nova descoberta.
        - Amor?
        Pronto! Bastava-me isso. 

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Benéfica sabedoria


      
      Sabe, é tudo uma mera questão de ponto de vista! Tem um determinado momento na vida que nos pegamos refletindo sobre as nossas pegadas e os caminhos por onde eles passaram e, é aí, que começa uma infinidade de indagações e quase sempre sem respostas. Mas aí vem a melhor delas: se você tivesse outra oportunidade, faria tudo de novo? Eu ainda relutei em responder, mas pergunta boa a gente não foge. Eu faria sim, erraria ou acertaria tudo outra vez! E você?
   É fácil encontrar tristezas, é ainda mais simples encontrar alegrias. O positivo e o negativo, por mais incrível que lhe pareça, andam um do lado do outro. Adapto-me à opção de olhar tudo por um ângulo mais bonito, assim a dor é bem mais amena, os dias são mais coloridos, não há tempestade que encubra os raios do sol e não há um mal que não traga um bem! Alguns chamam isso de esperança, outros de otimismo, podem denominar do que quiserem, pra mim é só sabedoria.

domingo, 31 de julho de 2011

Lápis, papel e emoção


             Um dia descobri que não gosto de livros, não me apego a eles. Eu vicio em escritores, em frases, em termos, nas idéias transportadas por cada palavra, na função daquela palavra ali naquele exato lugar, no contexto. Ah, eu vicio mesmo, no jogo da escrita. Na arte que as palavras têm de emocionar!
        Possuo muitos rascunhos de textos inacabados. Acaba que exijo tanto de mim que sempre acho que não está bom. Rascunho de novo. Esqueço. Depois, quando menos espero, os encontro no fim da minha agenda, os meus rabiscos mais rabiscados. Uno um ao outro e logo: tenho um texto do meu agrado.
        Estou longe de Olavo Bilac e perto de Chico Xavier, pois: escrevo quando sou tomada pela emoção, e não por arte.

É do passado que eu sinto a falta do futuro


           Conotativamente meus olhos enchem d’ água, meu coração intumesce, e na minha mente começa a passar um filme. O cheirinho de pipoca ainda é o mesmo, mas o sabor mudou.  A trilha sonora é a mesma, mas o ritmo mudou. Eu também ainda sou a mesma, mas a minha vida mudou. Tudo mudou de forma tão preguiçosa que quando eu percebi, as mudanças já eram grandes demais.

       Eram tardes tão doces aquelas em que eu passava a brincar, rir e soluçar. Eram manhãs felizes aquelas em que eu passava em plena felicidade, pelo simples fato do sol brilhar. Eram noites aconchegantes aquelas em que eu passava a ouvir historinhas que não eram contos de fadas, mas eu achava os melhores contos do mundo, pois eram com eles que o sonho chegava rápido. Eram madrugadas assustadoras aquelas em que eu passava com medo do escuro.

         Foi em um dia desses que eu estava a olhar fotos de antigos colegas de classe do primário, a nostalgia de lembranças veio à tona. Recordava-me de como éramos felizes, de como nos dávamos bem, do quanto éramos confidentes, de quando riamos sem parar, das vezes em que brigávamos, da adrenalina que sentíamos ao aprontar alguma traquinagem, de quando nos abraçávamos, quando chorávamos todos juntos e até mesmo do nosso juramento infantil e inocente de que nunca iríamos nos separar. Lembro-me incansavelmente dos nossos planos de passar a vida toda juntos.

         Com vontade de voar, eu fui umas das primeiras a desfazer-se daquele enorme nó de afetos, de tudo que havia sido construído e a deixar todos. Só foi um “tchau”, não dei “adeus” eu nunca vou querer usar esse termo, me soa fortemente triste, é como se ao ouvi-lo eu tenho a plena certeza que o sinônimo é: “até nunca mais”. E foi isso, dei um afetuoso “tchau” com promessas incessantes de que os visitaria sempre.

         Eles ainda eram muitos, eles ainda eram uma turma, eles ainda tinham uns aos outros. E eu era uma apenas, uma e só. Não era mais uma simples marinheira de um grande navio, agora eu teria de capitanear solitariamente o meu próprio navio. O desafio foi aceito, me pus em alto mar. Fui capitã da melhor forma que podia, enxergava a chance de encontrar novas fórmulas para mim. Enfrentei grandes tempestades na rota do meu navio e enfim vieram as mudanças de estações.

         No Porto em que ancorei, encontrei bons marinheiros e outros capitãs. Já não era mais uma e só, eu novamente era muitos. Passo a passo fui rindo novamente, abraçando novamente, confidenciando novamente, chorando novamente, brigando novamente, sendo feliz novamente, amando novamente. Levantei toda uma vida paralela aquela puramente não foi modificada pelas estações do tempo...

         E foi nesse mesmo dia em que eu estava a olhar as fotografias dos antigos colegas de classe, eu vi o quanto aquela turma mudou, havia diminuído e que de alguma forma eu deixei de ser importante à ela e o quanto ela ainda significava para mim. Talvez a culpa de muitos acontecimentos tenha sido minha, talvez!

         De um tempo pra cá, passo a me perguntar todos os dias: “Onde você ainda se reconhece, na foto passada ou no espelho de agora?” E todos os dias a resposta foi o som de uma respiração bem profunda, o meu silêncio. Entretanto, hoje a reposta não foi a de sempre, respondi diferente, respondi sutilmente: “deixa o amanhã dizer”.