sexta-feira, 25 de março de 2011

Uma reação para salvar-me



Sinto a onda beijar meus pés sujos de areia, borbulho de pensamentos a caminhar sem rumo ao lado do mar. Vejo toda imensidão de horizonte em que estou envolvido e perco-me. Meu passatempo predileto é achar-me, tornei-me num hábil “caçador de mim”.
            Talvez seja por isso que hoje, aprecio onde estão minhas pegadas e o motivo de elas estarem ali, sei que decisão devo tomar e as conseqüências delas. Consciente disso reflito sobre tamanha tolice que estou prestes a cometer. E não concluo nada a respeito, crucifico-me, a falta de conclusão para uma pessoa que se julga tão certa de si, me faz cair num calabouço.
Olho o relógio. Corro, corro contra o tempo, cada passo dado era como se tivesse preste a salvar uma vida e, de fato, era. Corria para salvar-me. Procuro, procuro e não a vejo. Grito insanamente...
       Só agora, fui capaz de perceber o quanto ela me fazia bem... Sento-me sobre a areia, choro lágrimas de saudades, mirando o colossal horizonte que era beijado pelo enigmático mar. Desejo. Nunca tinha desejado com tanta intensidade. Cabisbaixo, fecho os olhos e num soluço, sinto, misteriosamente, mãos de pétalas tocarem minha face. Meus olhos tristes, não queriam acreditar, era ela.
            A sorte havia aberto um sorriso, me presenteando com uma nova chance, essa eu não podia deixar escapar como água entre os dedos. “E eu não sei em que hora dizer me dá um medo. Que medo! (...)”. Engulo a seco minha covardia, e como criança, confiava cegamente naquilo que estava acontecendo, atiro-me numa só reação: beijá-la.



segunda-feira, 21 de março de 2011

Íntima ordem de comando


Espero. Espero, desesperadamente. De hoje não passará, meus planos vão, enfim, se soltar da acorrida prisão de minha mente. Ainda é sol de tarde e há tempo o suficiente para projetar o meu traçado especial. Será a mais bela e deliciosa astúcia.
Vou a caminho de um profundo banho, talvez o último de minha antiquada vida. Preparo a banheira, a decoro com rosas vermelhas, despejo o mais forte dos perfumes, apago as luzes e acendo velas. Desamarro o nó de meu roupão e ponho, delicadamente, meus pés na água quente e me banho.
Observo tudo. E me deparo com uma antiga fotografia, há nela um sorriso, um bom tempo, uma linda paisagem e um grande amor. Era como se aquela velha fotografia tivesse me ‘teletransportado’... Minh’alma saiu de meu corpo e fugira de minha mente. Ela sentira muito medo do que estava por vim, já que era ela a mira de todos os acautelados preparativos daquele fim de dia.
O que minh’alma sentia de verdade era medo da mudança, medo de não ser-la mais e, assim, perder toda aquela glória conquistada; medo de se perder de vista. Eu começo a indagá-la, ela se recusa a responder. Seu ego é possante e cala sua voz. Entretanto, ela desapossa de si um único susurro: “Se alguém me ler será por conta própria e por auto risco”... Eu insisto em indagá-la. Cansada, ela se rende e me confessa o que guarda:
- Vejo no reflexo d’água, a minha próxima moldura, a sucessora imagem que você quer criar a si... Uma terrível masmorra, um enorme desperdício de mim. Por que, me encobres do mundo assim?
         Em êxtase e inerte eu me encontrava. Era a primeira vez que ouvia a voz de minh’alma, e foi como um veneno, qual um dia eu teria que provar. O meu silêncio teria lhe fortalecido, estava mais sábia do que dantes. E eu a libertei.
         Lá fora já era noite e toda a astúcia que imaginara fazer, tornou-se um armadilha de minh’alma para absorve-me a ela. Agora, “aspiro a uma fusão de corpo e alma”.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Frígido ser de mim



O frio domina, o gelo envolve, as árvores encontram-se paralisadas e o vento leva as folhas para longe de mim... Sinto o frígido assoviar, matando-me suavemente. É noite e é dia ao mesmo tempo, defino-me logo: à borda do delírio. Louco eu? Que misero destino! Apenas sempre estive a caça de deparar-me de frente com meu eu. E agora acabo aqui, a conversar com meus muitos eu, que não são eu. Não sei qual deles eu sou, na verdade, sei-o bem, mas utilizo de maquiagens.
Não sei se sou um ser bom ou se sou um vilão maquiavélico, o que sei é que fui feliz na hora errada com os muitos eu, que não são eu; o fato é que há em mim uma sede de sagacidade e deleito-me, prazerosamente, ao ver os estúpidos depositarem toda confiança em mim. Resumo-os em: pobres desses tolos!
Às vezes eu tinha a sensação de que andara me imitando um pouco. Copiando de um eu para outro, eles eram a síntese de mim. “O pior plágio é o que se faz de si mesmo”. Outrora eu era homem, por vezes mulher; mais velho, por outras, infante; eu sempre fui e, prontamente, não era mais. Cultivara o tempo todo em mim uma falsa inspiração.
Agora, o frígido vem até mim, cruelmente. Não há saída. Ele é um dos meus eu que andara revoltado e exigira vingança. Vou deixá-lo me levar, pois é assim que o abissal segredo de mim deve se esvair, como uma clave assinalada em meu ser. Percebo fluir, do meu negro e duro olhar uma lágrima a dizer: - “Quanto a mim, não sei de nada.”

quinta-feira, 17 de março de 2011

Alvorecer


          Estou aqui ao nascer de mais um sol, com poucas nuvens aos altos e com raiar sublime. Indecifravelmente ouço o som dos pássaros que chegam a criar em mim um ninho de tédio.
      As horas passam... A cidade, preguiçosamente, acorda. Daqui ao horizonte, posso ver flamejar uma fumaça, é a padaria que inicia a produção de sua primeira fornada de pães.
     Observo os mendigos, dormem ao puro relento, seus corpos despertam e o que lhe cercam é o começo de mais um duro dia. Estão ali, “caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento”, à procura de algo ou até mesmo de suas vidas.
     Agora, permito aos meus ouvidos escutarem os sons ao redor de mim, e há um eterno vazio, mas ainda ouço as velhas risadas do tempo que se foi e, nesse momento, é que sinto todo o aroma do café fresco.
      É ele, posso sentir... Ele se levantara luminoso e radiante, pressinto seus passos a caminho da varanda, em busca de mim, como adereço de minha rotina... Beija-me, me chama de amor, toma o café e vai embora.