domingo, 28 de agosto de 2011

Um único devaneio


         - Trim trim trim!
        Esse é o sonido chato de meu despertador, são seis da manhã e abrir os olhos está sendo uma árdua tarefa, mas o sol não pára de irradiar sobre meu corpo, que preguiçosamente se recusa a acordar. Só por um dia eu quero ser um vegetal, quero deleita-me no vazio e viver do ócio, quero ver o infinito e não ser nada. Eu não quero viver, não por hoje. 
    Hoje eu acordei decidido a não tentar interpretar o mundo, acordei querendo saber de mim e esquecer os outros. Mas como manipular essa minha sádica obsessão por gente? Gosto de risos, gosto de abraços, gosto de gestos, gosto das falas, gosto de opiniões. Preocupo-me em apenas esquecer, e quando se tentar não lembrar é a mesma coisa de recordar-se a toda hora.
     Desengonçadamente surge um impulso às minhas vontades. Sinto o cheiro dela. Não sei exatamente a que distância, se está perto ou longe, mas tenho certeza, esse olor que se exala desordenadamente pertence unicamente a ela. Levanto-me, gradativamente, dedo por dedo, pé por pé.
     Defronte ao espelho, não consigo me encarar. Ainda moço, boa aparência, mas essa moldura não pertence a mim. Sinto-me preso em minha própria masmorra, aprisionado por minhas certezas, cai no buraco negro de meus desejos. 
    Pressinto que ela se aproxima. Como eu a conheço bem! Havia decodificado até suas silenciosas pegadas. E ela vem, vem cantarolando minha música favorita, vem toda pra mim. É meiga, suave, delicada, astuta e me ama.
     O que me dói é saber que ela me ama, porque hoje, eu descobrir que não a amo mais, quero esquecer essa idéia, quero voltar a amá-la novamente, quero fazer de nós um só, quero não mais ser só eu e sim nós.  Vou interpretar o nosso mundo, voltar a me apaixonar.
   Ela entra, eu uso de todos os adereços para disfarçar minha nova descoberta.
        - Amor?
        Pronto! Bastava-me isso. 

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Benéfica sabedoria


      
      Sabe, é tudo uma mera questão de ponto de vista! Tem um determinado momento na vida que nos pegamos refletindo sobre as nossas pegadas e os caminhos por onde eles passaram e, é aí, que começa uma infinidade de indagações e quase sempre sem respostas. Mas aí vem a melhor delas: se você tivesse outra oportunidade, faria tudo de novo? Eu ainda relutei em responder, mas pergunta boa a gente não foge. Eu faria sim, erraria ou acertaria tudo outra vez! E você?
   É fácil encontrar tristezas, é ainda mais simples encontrar alegrias. O positivo e o negativo, por mais incrível que lhe pareça, andam um do lado do outro. Adapto-me à opção de olhar tudo por um ângulo mais bonito, assim a dor é bem mais amena, os dias são mais coloridos, não há tempestade que encubra os raios do sol e não há um mal que não traga um bem! Alguns chamam isso de esperança, outros de otimismo, podem denominar do que quiserem, pra mim é só sabedoria.

domingo, 31 de julho de 2011

Lápis, papel e emoção


             Um dia descobri que não gosto de livros, não me apego a eles. Eu vicio em escritores, em frases, em termos, nas idéias transportadas por cada palavra, na função daquela palavra ali naquele exato lugar, no contexto. Ah, eu vicio mesmo, no jogo da escrita. Na arte que as palavras têm de emocionar!
        Possuo muitos rascunhos de textos inacabados. Acaba que exijo tanto de mim que sempre acho que não está bom. Rascunho de novo. Esqueço. Depois, quando menos espero, os encontro no fim da minha agenda, os meus rabiscos mais rabiscados. Uno um ao outro e logo: tenho um texto do meu agrado.
        Estou longe de Olavo Bilac e perto de Chico Xavier, pois: escrevo quando sou tomada pela emoção, e não por arte.

É do passado que eu sinto a falta do futuro


           Conotativamente meus olhos enchem d’ água, meu coração intumesce, e na minha mente começa a passar um filme. O cheirinho de pipoca ainda é o mesmo, mas o sabor mudou.  A trilha sonora é a mesma, mas o ritmo mudou. Eu também ainda sou a mesma, mas a minha vida mudou. Tudo mudou de forma tão preguiçosa que quando eu percebi, as mudanças já eram grandes demais.

       Eram tardes tão doces aquelas em que eu passava a brincar, rir e soluçar. Eram manhãs felizes aquelas em que eu passava em plena felicidade, pelo simples fato do sol brilhar. Eram noites aconchegantes aquelas em que eu passava a ouvir historinhas que não eram contos de fadas, mas eu achava os melhores contos do mundo, pois eram com eles que o sonho chegava rápido. Eram madrugadas assustadoras aquelas em que eu passava com medo do escuro.

         Foi em um dia desses que eu estava a olhar fotos de antigos colegas de classe do primário, a nostalgia de lembranças veio à tona. Recordava-me de como éramos felizes, de como nos dávamos bem, do quanto éramos confidentes, de quando riamos sem parar, das vezes em que brigávamos, da adrenalina que sentíamos ao aprontar alguma traquinagem, de quando nos abraçávamos, quando chorávamos todos juntos e até mesmo do nosso juramento infantil e inocente de que nunca iríamos nos separar. Lembro-me incansavelmente dos nossos planos de passar a vida toda juntos.

         Com vontade de voar, eu fui umas das primeiras a desfazer-se daquele enorme nó de afetos, de tudo que havia sido construído e a deixar todos. Só foi um “tchau”, não dei “adeus” eu nunca vou querer usar esse termo, me soa fortemente triste, é como se ao ouvi-lo eu tenho a plena certeza que o sinônimo é: “até nunca mais”. E foi isso, dei um afetuoso “tchau” com promessas incessantes de que os visitaria sempre.

         Eles ainda eram muitos, eles ainda eram uma turma, eles ainda tinham uns aos outros. E eu era uma apenas, uma e só. Não era mais uma simples marinheira de um grande navio, agora eu teria de capitanear solitariamente o meu próprio navio. O desafio foi aceito, me pus em alto mar. Fui capitã da melhor forma que podia, enxergava a chance de encontrar novas fórmulas para mim. Enfrentei grandes tempestades na rota do meu navio e enfim vieram as mudanças de estações.

         No Porto em que ancorei, encontrei bons marinheiros e outros capitãs. Já não era mais uma e só, eu novamente era muitos. Passo a passo fui rindo novamente, abraçando novamente, confidenciando novamente, chorando novamente, brigando novamente, sendo feliz novamente, amando novamente. Levantei toda uma vida paralela aquela puramente não foi modificada pelas estações do tempo...

         E foi nesse mesmo dia em que eu estava a olhar as fotografias dos antigos colegas de classe, eu vi o quanto aquela turma mudou, havia diminuído e que de alguma forma eu deixei de ser importante à ela e o quanto ela ainda significava para mim. Talvez a culpa de muitos acontecimentos tenha sido minha, talvez!

         De um tempo pra cá, passo a me perguntar todos os dias: “Onde você ainda se reconhece, na foto passada ou no espelho de agora?” E todos os dias a resposta foi o som de uma respiração bem profunda, o meu silêncio. Entretanto, hoje a reposta não foi a de sempre, respondi diferente, respondi sutilmente: “deixa o amanhã dizer”. 

terça-feira, 5 de abril de 2011

Corrente


Tenho andado
Sentindo-me refugiado
Amedrontado
Com ânsia de ter errado...
Minh’alma está assustada
Encontro-me cercada
Acorrentada
Prestes a ser ancorada...


Sou o navegante

E eu a acompanhante


Confinados nesse horizonte
Do temido constante
Inferno de Dante.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Julgando ao vento


O vento toca meu rosto, assanha meus cabelos e alfineta meus olhos.  A paisagem é outra e, a cada instante, ela muda. A estrada ainda é a mesma. O apito do trem se ressalta no meio da vastidão do nada.
Sentado nesse desprezado assento, observo as pessoas. Cada um guarda em si um sentimento precioso, pode ser  um segredo, um sonho, uma angústia, uma alegria, enfim, cada rosto que eu aqui observo possui uma história pra contar. As quais eu ignoro, sento aqui e num ato bem astuto, começo a julgá-las.
Julgar é o que eu e você fazemos de melhor. É uma ação nata, fazemos sem nem sentir. Alguns hipócritas dizem que não se deve julgar o que não conhecemos, mas faz parte de nossa índole. Quanto a mim: eu julgo, julgo mesmo! E a você?
És aí grande parte de meu sofrimento. Sempre estou a pagar por meus pensamentos e língua também. Julgo e, por vezes, caio na grande armadilha de enganar-me. O remorso me consome e atormento-me em ver esses rostos, que não se dão ao trabalho de ao menos se olharem, de ao menos serem solidários, de ao menos serem humanos...
Logo paro minha mente e calo meus pensamentos.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Uma reação para salvar-me



Sinto a onda beijar meus pés sujos de areia, borbulho de pensamentos a caminhar sem rumo ao lado do mar. Vejo toda imensidão de horizonte em que estou envolvido e perco-me. Meu passatempo predileto é achar-me, tornei-me num hábil “caçador de mim”.
            Talvez seja por isso que hoje, aprecio onde estão minhas pegadas e o motivo de elas estarem ali, sei que decisão devo tomar e as conseqüências delas. Consciente disso reflito sobre tamanha tolice que estou prestes a cometer. E não concluo nada a respeito, crucifico-me, a falta de conclusão para uma pessoa que se julga tão certa de si, me faz cair num calabouço.
Olho o relógio. Corro, corro contra o tempo, cada passo dado era como se tivesse preste a salvar uma vida e, de fato, era. Corria para salvar-me. Procuro, procuro e não a vejo. Grito insanamente...
       Só agora, fui capaz de perceber o quanto ela me fazia bem... Sento-me sobre a areia, choro lágrimas de saudades, mirando o colossal horizonte que era beijado pelo enigmático mar. Desejo. Nunca tinha desejado com tanta intensidade. Cabisbaixo, fecho os olhos e num soluço, sinto, misteriosamente, mãos de pétalas tocarem minha face. Meus olhos tristes, não queriam acreditar, era ela.
            A sorte havia aberto um sorriso, me presenteando com uma nova chance, essa eu não podia deixar escapar como água entre os dedos. “E eu não sei em que hora dizer me dá um medo. Que medo! (...)”. Engulo a seco minha covardia, e como criança, confiava cegamente naquilo que estava acontecendo, atiro-me numa só reação: beijá-la.



segunda-feira, 21 de março de 2011

Íntima ordem de comando


Espero. Espero, desesperadamente. De hoje não passará, meus planos vão, enfim, se soltar da acorrida prisão de minha mente. Ainda é sol de tarde e há tempo o suficiente para projetar o meu traçado especial. Será a mais bela e deliciosa astúcia.
Vou a caminho de um profundo banho, talvez o último de minha antiquada vida. Preparo a banheira, a decoro com rosas vermelhas, despejo o mais forte dos perfumes, apago as luzes e acendo velas. Desamarro o nó de meu roupão e ponho, delicadamente, meus pés na água quente e me banho.
Observo tudo. E me deparo com uma antiga fotografia, há nela um sorriso, um bom tempo, uma linda paisagem e um grande amor. Era como se aquela velha fotografia tivesse me ‘teletransportado’... Minh’alma saiu de meu corpo e fugira de minha mente. Ela sentira muito medo do que estava por vim, já que era ela a mira de todos os acautelados preparativos daquele fim de dia.
O que minh’alma sentia de verdade era medo da mudança, medo de não ser-la mais e, assim, perder toda aquela glória conquistada; medo de se perder de vista. Eu começo a indagá-la, ela se recusa a responder. Seu ego é possante e cala sua voz. Entretanto, ela desapossa de si um único susurro: “Se alguém me ler será por conta própria e por auto risco”... Eu insisto em indagá-la. Cansada, ela se rende e me confessa o que guarda:
- Vejo no reflexo d’água, a minha próxima moldura, a sucessora imagem que você quer criar a si... Uma terrível masmorra, um enorme desperdício de mim. Por que, me encobres do mundo assim?
         Em êxtase e inerte eu me encontrava. Era a primeira vez que ouvia a voz de minh’alma, e foi como um veneno, qual um dia eu teria que provar. O meu silêncio teria lhe fortalecido, estava mais sábia do que dantes. E eu a libertei.
         Lá fora já era noite e toda a astúcia que imaginara fazer, tornou-se um armadilha de minh’alma para absorve-me a ela. Agora, “aspiro a uma fusão de corpo e alma”.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Frígido ser de mim



O frio domina, o gelo envolve, as árvores encontram-se paralisadas e o vento leva as folhas para longe de mim... Sinto o frígido assoviar, matando-me suavemente. É noite e é dia ao mesmo tempo, defino-me logo: à borda do delírio. Louco eu? Que misero destino! Apenas sempre estive a caça de deparar-me de frente com meu eu. E agora acabo aqui, a conversar com meus muitos eu, que não são eu. Não sei qual deles eu sou, na verdade, sei-o bem, mas utilizo de maquiagens.
Não sei se sou um ser bom ou se sou um vilão maquiavélico, o que sei é que fui feliz na hora errada com os muitos eu, que não são eu; o fato é que há em mim uma sede de sagacidade e deleito-me, prazerosamente, ao ver os estúpidos depositarem toda confiança em mim. Resumo-os em: pobres desses tolos!
Às vezes eu tinha a sensação de que andara me imitando um pouco. Copiando de um eu para outro, eles eram a síntese de mim. “O pior plágio é o que se faz de si mesmo”. Outrora eu era homem, por vezes mulher; mais velho, por outras, infante; eu sempre fui e, prontamente, não era mais. Cultivara o tempo todo em mim uma falsa inspiração.
Agora, o frígido vem até mim, cruelmente. Não há saída. Ele é um dos meus eu que andara revoltado e exigira vingança. Vou deixá-lo me levar, pois é assim que o abissal segredo de mim deve se esvair, como uma clave assinalada em meu ser. Percebo fluir, do meu negro e duro olhar uma lágrima a dizer: - “Quanto a mim, não sei de nada.”

quinta-feira, 17 de março de 2011

Alvorecer


          Estou aqui ao nascer de mais um sol, com poucas nuvens aos altos e com raiar sublime. Indecifravelmente ouço o som dos pássaros que chegam a criar em mim um ninho de tédio.
      As horas passam... A cidade, preguiçosamente, acorda. Daqui ao horizonte, posso ver flamejar uma fumaça, é a padaria que inicia a produção de sua primeira fornada de pães.
     Observo os mendigos, dormem ao puro relento, seus corpos despertam e o que lhe cercam é o começo de mais um duro dia. Estão ali, “caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento”, à procura de algo ou até mesmo de suas vidas.
     Agora, permito aos meus ouvidos escutarem os sons ao redor de mim, e há um eterno vazio, mas ainda ouço as velhas risadas do tempo que se foi e, nesse momento, é que sinto todo o aroma do café fresco.
      É ele, posso sentir... Ele se levantara luminoso e radiante, pressinto seus passos a caminho da varanda, em busca de mim, como adereço de minha rotina... Beija-me, me chama de amor, toma o café e vai embora.